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Foto do escritorComunicação ACE Itaúna

Reflexões sobre o mundo pós-Covid 19


Poucos momentos na história registraram um fenômeno tão impactante e abrangente quanto a pandemia do novo coronavírus. O que parecia ser apenas uma doença se mostrou um evento que permeia todos os aspectos da vida humana. Os efeitos na saúde pública foram imediatos, seguidos de graves repercussões na economia, nas relações sociais e, a partir daí, em todo o tecido social, estrutura e infraestrutura dos cinco continentes.


O Brasil observou a evolução da doença na Ásia e na Europa, mas, infelizmente, a forma de interpretar e reagir à pandemia não tem sido homogênea. Na verdade, tem sido politizada e bastante polarizada, como acontece em todas as questões nacionais nos últimos anos, mas que também esteve presente em outros países, como EUA e Itália.


Mais do que teimosia ou embate ideológico, a dificuldade em encontrar consenso nas ações imediatas à pandemia está nas distintas formas de compreensão do que é essa doença e o que ela pode vir a significar no futuro próximo.


O esforço de projetar como será o mundo pós-pandemia tem sido a atividade principal de economistas, historiadores, filósofos e cientistas sociais em todo o mundo. Reunimos previsões de cinco dos maiores pensadores da atualidade para que você entenda que o único consenso hoje em dia é que o mundo jamais será o mesmo. E se você se perder em meio a tantas previsões, não se preocupe. Como disse Edward Murphy, criador da Lei de Murphy, “se você não está confuso, então não está prestando atenção”.


Yuval Harari  – Privacidade e Solidariedade Global


Para Yuval Harari, autor dos best sellers “Sapiens”, “Homo Deus” e “21 lições para o século 21”, a Covid 19 é rápida no contágio e também na aceleração tecnológica que está causando. Para ele, que não é famoso pelo otimismo, a população mundial está servindo de cobaia para os mais diversos experimentos sociais: isolamento social de longa duração, home office extremamente ampliado, educação à distância pra crianças e adultos em nível global, consumo maciço de conteúdo digital (notícias e entretenimento).


Para o professor israelense, uma questão central passa a ser o (falso) dualismo entre a privacidade das pessoas e a sua saúde. Com os riscos de contágio e necessidade de monitoramento da população, tecnologias que vigilância passam a capturar, armazenar e processar sons, imagens, localização, temperatura corporal e frequência cardíaca tornando públicas informações que antes eram privadas.


Na opinião de Harari, esses dados podem ser usados de forma bastante efetiva para controlar pandemias, mas também pode abrir espaço para servirem a interesses comerciais ou políticos, por exemplo. Em um momento em que leis de proteção de dados estão sendo implementadas em todo o mundo – no Brasil, em maio de 20212 -, e que valores como a privacidade e democracia entram em xeque, o coronavírus surge como catalizador de problemas que nada mais têm a ver com a saúde pública.


Uma outra dualidade analisada por Harari é relacionada à geopolítica adotada em resposta à pandemia: isolamento nacionalista ou solidariedade global? Apesar de reconhecer que a primeira opção tem sido a preferência mundo afora, para ele deveria haver mais reflexão por parte dos líderes mundiais pois trata-se de uma escolha decisiva. Se escolhermos a solidariedade global, será uma vitória não apenas contra o coronavírus, mas contra futuros quadros de epidemias.



Joseph StiglitzEquilíbrio e resiliência


Joseph Stiglitz foi economista-chefe do Banco Mundial e prêmio Nobel de Economia (2001) e considerado entre seus pares como pouco um economista pouco ortodoxo. Neste momento de pandemia e crise econômica global, ele afirma que o foco deve ser salvar as pessoas. Caso contrário, diz Stiglitz, a economia será devastada. Para ele, não se trata de escolhe entre a economia e a vida das pessoas. Neste sentido, o financiamento estatal é crucial para sustentar as ações vinculadas à saúde pública e não deveria haver espaço outro tipo de pensamento econômico.


Em termos de política internacional, Stiglitz defende um maior equilíbrio na globalização econômica. De forma repentina, as fronteiras voltaram a ser extremamente relevantes, especialmente quando se trata da produção e aquisição de equipamentos médicos e suprimentos hospitalares.


Segundo o estadunidense, a construção de uma cadeia de suprimentos global com foco na eficiência de custos se mostrou pouco resiliente para momentos de tensão como o que estamos vivendo. Para Stiglitz, o mundo não aprendeu uma importante lição deixada pela crise financeira de 2008: a questão da resiliência é mais importante que a eficiência. Em outras palavras, a globalização deve coexistir, estrategicamente, com a autoconfiança na capacidade produtiva de cada nação.



Gita GopinathIncerteza e liderança



Gita Gopinath é economista-chefe do Fundo Monetário Internacional e considerada uma das maiores pensadoras globais. Diante da Covid 19, afirmou que nunca antes na história houve um colapso econômico tão rápido. Para ela, há uma enorme incerteza sobre o impacto desta crise na vida das pessoas. “Isso requer medidas fiscais, monetárias e financeiras substanciais, direcionadas para manter os laços econômicos entre trabalhadores, firmas e credores, mantendo intacta a estrutura econômica e financeira da sociedade”, disse Gopinath ao apresentar o relatório Panorama Econômico Mundial no início do mês de abril.


Uma reavaliação da globalização econômica também é apontada por Gopinath como uma das consequências mais relevantes desta crise.  Para a indiana americana, é preciso destacar a importância de haver equilíbrio nessa discussão, uma vez que o protecionismo pode crescer com um discurso dissimulado de necessária autossuficiência, e a restrição de pessoas entre países pode ser exageradamente aplicado sob o pretexto de saúde pública.


Para a Ph.D da Universidade de Princetown (EUA), agora “está nas mãos dos líderes globais evitar o protecionismo isolacionista e manter o espírito de unidade internacional que nos sustenta coletivamente há mais de 50 anos”.



Laura Tyson – Desemprego generalizado e oportunidades pontuais


Laura Tyson, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos dos Estados Unidos durante o governo Clinton, diz que a maior preocupação com a crise do coronavírus é o impacto da crise no mercado de trabalho. Segundo Tyson, os processos de automação e digitalização, que já corroeram empregos de qualificação média em todo o mundo, estão sendo radicalmente acelerados neste momento. Esse processo tem se mostrado ineficaz para diminuição da desigualdade social e não há motivos para acreditar que isso deve ser diferente, ao menos no curto prazo.


Para a professora da Universidade de Berkeley, as ações que estão em curso como resposta à crise causada pela Covid 19 vão causar um deslocamento econômico e terão impacto na composição do PIB de quase todos os países. Mais: muitos setores da economia não voltarão a ser os mesmos, haverá mudanças extremas, especialmente no varejo e serviços, mas praticamente todos serão afetados. A economista acredita que muitos dos empregos que estão sumindo agora jamais voltarão a existir e que em muitos países haverá precarização dos empregos remanescentes. Por outro lado, diz Tyson, haverá oportunidades em novas áreas (essencialmente digitais) e naquelas mais valorizadas neste momento de crise (médicos, enfermeiros, bombeiros, policiais, etc).


Tyson destaca também a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura para uma economia digital mais ampla, cuja demanda vai continuar a crescer, assim como a oferta de serviços online.




Kishore MahbubaniGlobalização centrada na China


Kishore Mahbubani é ex-presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (2001-2002) e um acadêmico nascido em Singapura. Para ele, a pandemia da Covid 19 vai acelerar um importante processo que já vinha em curso: a mudança da globalização centrada na hegemonia econômica dos Estados Unidos para uma centrada na China. Se por um lado o atual governo norte-americano acredita que o isolamento é o melhor caminho para a melhoria do bem-estar social da sua população, o governo chinês ainda se lembra bem do século de humilhação (1842-1949) pelo qual passaram ao se fechar ao mundo. As últimas décadas de ressurgimento econômico chinês foram resultado de um engajamento global e uma mentalidade para os negócios menos introspectiva.


Mahbubani entende que o presidente Trump se equivoca ao optar por barreiras comerciais e abandonar acordos de livre comércio. Primeiro, porque isso vai enfraquecê-lo na disputa geopolítica ao deixar a China como maior parceiro comercial de grande parte do mundo. Segundo, porque se o foco for o reestabelecimento do bem-estar do povo americano – cuja condição social se deteriorou – a cooperação com a China seria o melhor caminho. “Um conselho mais sábio sugeriria que a cooperação internacional seria a melhor escolha. No entanto, dado o ambiente político tóxico dos EUA em relação à China, conselhos mais sábios podem não prevalecer”, diz.



Daniel Sakamoto

Gerente de Projetos da CNDL

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